UTILIZANDO CURIOSIDADES E JOGOS MATEMÁTICOS EM SALA DE AULA
Claudia Lisete Oliveira Groenwald
Ursula Tatiana Timm
Resumo
Este artigo resultou de uma pesquisa realizada na Universidade Luterana do Brasil, no curso de Licenciatura em Matemática. Enfatiza a importância dos jogos e desafios como metodologia de ensino nas aulas de Matemática que necessitam, para poder jogá-los, da utilização de conhecimentos matemáticos. Enfatiza que os mesmos quando convenientemente preparados, são um recurso pedagógico eficaz para a construção do conhecimento matemático.
Curiosidades e Jogos matemáticos como recurso didático
Ensinar matemática é desenvolver o raciocínio lógico, estimular o pensamento independente, a criatividade e a capacidade de resolver problemas. Nós, como educadores matemáticos, devemos procurar alternativas para aumentar a motivação para a aprendizagem, desenvolver a autoconfiança, a organização, concentração, atenção, raciocínio lógico-dedutivo e o senso cooperativo, desenvolvendo a socialização e aumentando as interações do indivíduo com outras pessoas.
Os jogos, se convenientemente planejados, são um recurso pedagógico eficaz para a construção do conhecimento matemático. Referimo-nos àqueles que implicam conhecimentos matemáticos.
Vygotsky afirmava que através do brinquedo a criança aprende a agir numa esfera cognitivista, sendo livre para determinar suas próprias ações. Segundo ele, o brinquedo estimula a curiosidade e a autoconfiança, proporcionando desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção.
O uso de jogos e curiosidades no ensino da Matemática tem o objetivo de fazer com que os adolescentes gostem de aprender essa disciplina, mudando a rotina da classe e despertando o interesse do aluno envolvido. A aprendizagem através de jogos, como dominó, palavras cruzadas, memória e outros permite que o aluno faça da aprendizagem um processo interessante e até divertido. Para isso, eles devem ser utilizados ocasionalmente para sanar as lacunas que se produzem na atividade escolar diária. Neste sentido verificamos que há três aspectos que por si só justificam a incorporação do jogo nas aulas. São estes: o caráter lúdico, o desenvolvimento de técnicas intelectuais e a formação de relações sociais.
Jogar não é estudar nem trabalhar, porque jogando, a aluno aprende, sobretudo, a conhecer e compreender o mundo social que o rodeia.
Os jogos são educativos, sendo assim, requerem um plano de ação que permita a aprendizagem de conceitos matemáticos e culturais de uma maneira geral. Já que os jogos em sala de aula são importantes, devemos ocupar um horário dentro de nosso planejamento, de modo a permitir que o professor possa explorar todo o potencial dos jogos, processos de solução, registros e discussões sobre possíveis caminhos que poderão surgir.
Os jogos podem ser utilizados pra introduzir, amadurecer conteúdos e preparar o aluno para aprofundar os itens já trabalhados. Devem ser escolhidos e preparados com cuidado para levar o estudante a adquirir conceitos matemáticos de importância.
Devemos utilizá-los não como instrumentos recreativos na aprendizagem, mas como facilitadores, colaborando para trabalhar os bloqueios que os alunos apresentam em relação a alguns conteúdos matemáticos.
'' Outro motivo para a introdução de jogos nas aulas de matemática é a possibilidade de diminuir bloqueios apresentados por muitos de nossos alunos que temem a Matemática e sentem-se incapacitados para aprendê-la. Dentro da situação de jogo, onde é impossível uma atitude passiva e a motivação é grande, notamos que, ao mesmo tempo em que estes alunos falam Matemática, apresentam também um melhor desempenho e atitudes mais positivas frente a seus processos de aprendizagem.''
(Borin,1996,9)
Segundo Malba Tahan, 1968, ''para que os jogos produzam os efeitos desejados é preciso que sejam, de certa forma, dirigidos pelos educadores''. Partindo do princípio que as crianças pensam de maneira diferente dos adultos e de que nosso objetivo não é ensiná-las a jogar, devemos acompanhar a maneira como as crianças jogam, sendo observadores atentos, interferindo para colocar questões interessantes (sem perturbar a dinâmica dos grupos) para, a partir disso, auxiliá-las a construir regras e a pensar de modo que elas entendam.
Moura, 1991, afirma que ''o jogo aproxima-se da Matemática via desenvolvimento de habilidades de resoluções de problemas''.
Devemos escolher jogos que estimulem a resolução de problemas, principalmente quando o conteúdo a ser estudado for abstrato, difícil e desvinculado da prática diária, não nos esquecendo de respeitar as condições de cada comunidade e o querer de cada aluno. Essas atividades não devem ser muito fáceis nem muito difíceis e ser testadas antes de sua aplicação, a fim de enriquecer as experiências através de propostas de novas atividades, propiciando mais de uma situação.
Os jogos trabalhados em sala de aula devem ter regras, esses são classificados em três tipos:
>>jogos estratégicos, onde são trabalhadas as habilidades que compõem o raciocínio lógico. Com eles, os alunos lêem as regras e buscam caminhos para atingirem o objetivo final, utilizando estratégias para isso. O fator sorte não interfere no resultado;
>>jogos de treinamento, os quais são utilizados quando o professor percebe que alguns alunos precisam de reforço num determinado conteúdo e quer substituir as cansativas listas de exercícios. Neles, quase sempre o fator sorte exerce um papel preponderante e interfere nos resultados finais, o que pode frustrar as idéias anteriormente colocadas;
>>jogos geométricos, que têm como objetivo desenvolver a habilidade de observação e o pensamento lógico. Com eles conseguimos trabalhar figuras geométricas, semelhança de figuras, ângulos e polígonos.
Os jogos com regras são importantes para o desenvolvimento do pensamento lógico, pois a aplicação sistemática das mesmas encaminha a deduções. São mais adequados para o desenvolvimento de habilidades de pensamento do que para o trabalho com algum conteúdo específico. As regras e os procedimentos devem ser apresentados aos jogadores antes da partida e preestabelecer os limites e possibilidades de ação de cada jogador. A responsabilidade de cumprir normas e zelar pelo seu cumprimento encoraja o desenvolvimento da iniciativa, da mente alerta e da confiança em dizer honestamente o que pensa.
Os jogos estão em correspondência direta com o pensamento matemático. Em ambos temos regras, instruções, operações, definições, deduções, desenvolvimento, utilização de normas e novos conhecimentos (resultados).
O trabalho com jogos matemáticos em sala de aula nos traz alguns benefícios:
>>conseguimos detectar os alunos que estão com dificuldades reais;
>>o aluno demonstra para seus colegas e professores se o assunto foi bem assimilado;
>>existe uma competição entre os jogadores e os adversários, pois almejam vencer e par isso aperfeiçoam-se e ultrapassam seus limites;
>>durante o desenrolar de um jogo, observamos que o aluno se torna mais crítico, alerta e confiante, expressando o que pensa, elaborando perguntas e tirando conclusões sem necessidade da interferência ou aprovação do professor;
>>não existe o medo de errar, pois o erro é considerado um degrau necessário para se chegar a uma resposta correta;
>>o aluno se empolga com o clima de uma aula diferente, o que faz com que aprenda sem perceber.
Mas devemos, também, ter alguns cuidados ao escolher os jogos a serem aplicados:
>>não tornar o jogo algo obrigatório;
>>escolher jogos em que o fator sorte não interfira nas jogadas, permitindo que vença aquele que descobrir as melhores estratégias;
>>utilizar atividades que envolvam dois ou mais alunos, para oportunizar a interação social;
>>estabelecer regras, que podem ou não ser modificadas no decorrer de uma rodada;
>>trabalhar a frustração pela derrota na criança, no sentido de minimizá-la;
>>estudar o jogo antes de aplicá-lo (o que só é possível, jogando).
Temos de formar a consciência de que os sujeitos, ao aprenderem, não o fazem como puros assimiladores de conhecimentos mas sim que, nesse processo, existem determinados componentes internos que não podem deixar de ser ignorados pelos educadores.
Não é necessário ressaltar a grande importância da solução de problemas, pois vivemos em um mundo o qual cada vez mais, exige que as pessoas pensem, questionem e se arrisquem propondo soluções aos vários desafios os quais surgem no trabalho ou na vida cotidiana.
Para a aprendizagem é necessário que o aprendiz tenha um determinado nível de desenvolvimento. As situações de jogo são consideradas parte das atividades pedagógicas, justamente por serem elementos estimuladores do desenvolvimento. É esse raciocínio de que os sujeitos aprendem através dos jogos que nos leva a utilizá-los em sala de aula.
Muitos ouvimos falar e falamos em vincular teoria à prática, mas quase não o fazemos. Utilizar jogos como recurso didático é uma chance que temos de fazê-lo. Eles podem ser usados na classe como um prolongamento da prática habitual da aula. São recursos interessantes e eficientes, que auxiliam os alunos.
A seguir, apresentamos um exemplo de um jogo de adivinhação do número pensado. Essas atividades são problemas aritméticos disfarçados, baseadas no desenvolvimento de expressões matemáticas que levam a uma identidade ou igualdade algébrica a qual verificamos sempre, para qualquer valor da variável que contenha a expressão.
A atividade a seguir reforça o cálculo mental a permite aplicar as propriedades dos números.
"Adivinhando a idade de uma pessoa''
Podemos adivinhar a idade de uma pessoa pedindo-lhe que realize os seguintes cálculos:
1º Escrever um número de dois algarismos.
2º Multiplicar o número escrito por dois.
3º Somar cinco unidades ao produto obtido.
4º Multiplicar esta soma por cinqüenta
5º Somar ao produto o número 1750.
6º Subtrair o ano do nascimento.
O resultado que se obtém é um número de quatro algarismos abcd. Os dois algarismos da direita, que correspondem às dezenas e às unidades, indicam a idade da pessoa e, os dois algarismos da esquerda, que correspondem às centenas e aos milhares, indicam o número que a pessoa havia pensado.
A explicação matemática em que essa atividade se baseia é a seguinte:
1º Suponhamos que o número pensado seja ab cuja a expressão polinomial é 10a + b
2º O produto deste número por dois é:
(10a + b) x 2 = 20a + b
3º Somando cinco unidades ao produto, temo:
20a + b + 5
4º Multiplicando a soma anterior por cinqüenta, encontramos:
(20a + 2b + 5) x 50 = 1000a + 100b + 250
5º Acrescentando 1750 ao produto temos (1750 + 250 = 2000).
O acréscimo do número 1750 não se faz por acaso, mas porque 1750 mais 250, que resulta da operação anterior, é igual a 2000, número que indica o ano atual. Devemos tomar cuidado ao acrescentar esse último valor, tomando por base que estamos no ano 2000.
6º Ao resultado anterior, subtrai-se o ano de nascimento da pessoas que está fazendo os cálculos. Se N é o ano de nascimento, então o número obtido será:
1000a + 100b + 2000 - N
Nota-se que, ao subtrair do ano atual o ano do nascimento, obtém-se a idade da pessoa que realiza o jogo. Expressemos por o resultado da operação (2000 - N).
Então, o resultado final é:
1000a + 100b + 10c + d
Esse resultado é a expressão polinomial do número de quatro algarismos abcd, onde os dois algarismos da direita ''cd'', que correspondem às dezenas e unidades, expressam a idade da pessoa que realizou os cálculos, os algarismos da esquerda ''ab'', que correspondem aos milhares a às centenas, nos indicam o número que a pessoa havia pensado.
Vamos ver um exemplo:
1º O número pensado é 57.
2º O produto deste número por dois é: 57 x 2 = 114
3º Somando cinco unidades: 114 + 5 = 119
4º Multiplicando a soma obtida por 50: 119 x 50 = 5950
5º Somando o número 1750 (pois estamos no ano de 2000):
5950 + 1750 = 7700
6º Subtraindo o ano de nascimento, suponhamos que a pessoa que realizou os cálculos nasceu no ano de 1947, portanto, tem 53 anos ou vai completar 53 anos.
7700 - 1947 = 5753
O resultado final (5753) é um número de quatro algarismos. Os dois algarismos da direita (53) nos indica a idade da pessoa (ou quantos anos ela completará no corrente ano) e os dois algarismos da esquerda (57) nos indicam o número de dois algarismos que a pessoa havia pensado.
É interessante para o professor, nessa atividade de adivinhação de números desenvolver o exercício no quadro de giz de forma coletiva analisando com os alunos as propriedades que aplicou, levando-os a descobrir o ''truque matemático'' utilizado. Também deve pedir aos alunos que criem outros jogos utilizando as propriedades analisadas.
"O sim"
Outra atividade interessante é o jogo chamado ''O sim'', para duas pessoas, usando lápis e papel, (denomina-se assim em honra ao seu inventor, Gustavus I. Simmons).
Necessitamos de lápis de diferentes cores, um para cada jogador e um tabuleiro onde estão marcados os vértices de um polígono.
O objetivo do jogo, para cada participante, consiste em traçar segmentos que unam dois pontos quaisquer do tabuleiro, de tal forma que não se formem triângulos com três lados da mesma cor.
Só contam os triângulos cujos vértices sejam pontos do tabuleiro inicial.
REGRAS DO JOGO
1. tira-se a sorte para saber que jogador começa a partida.
2.Os jogadores, um de cada vez, traçam um segmento, unindo dois pontos quaisquer da figura.
3.Um jogador utiliza um lápis de uma cor e o outro de cor diferente.
4.Perde o primeiro jogador que formar um triângulo com três lados da cor que utiliza e cujos vértices são três pontos quaisquer do desenho inicial.
Para praticar esse jogo utilizamos tabuleiros com quatro, cinco ou seis pontos. Os tabuleiros mais adequados para jogar ''O sim'' são os de cinco e os de seis pontos. Os tabuleiros com três ou quatro pontos são jogos muito triviais e os com mais de seis pontos são demasiado complicados.
Este jogo introduz um problema interessante e que deve ser proposto aos alunos depois de terem jogado ''O sim'': ''Qual é o número de retas que se podem traçar em um gráfico de n pontos de tal forma que cada uma passe por dois pontos?''
Esse tipo de investigação matemática é muito adequado para desenvolver estratégias de pensamento. A resolução de jogos e problemas possibilita que os alunos encontrem propriedades, relações e regularidades em um conjunto numérico, também, que formulem e comprovem conjecturas sobre uma regra que segue uma série de números.
Para a análise da situação problema completemos a tabela a seguir, com base nas retas desenhadas:
Complete a seguinte tabela:
Número de pontos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Número de retas 0 1 3 6 10 15 21 28 36 45
Inicialmente, procuraremos que os alunos obtenham a sucessão de números da segunda fila por via experimental, depois, de forma analítica.
Devemos observar que os números dessa série são os números triangulares, denominados assim, porque cada número é o cardinal de um conjunto de pontos que compõem uma disposição triangular e cuja propriedade mais importante é que, ao somar dois números triangulares consecutivos, obtemos um número quadrado perfeito.
Generalizando, encontramos o número de retas que se podem traçar para n pontos, basta somar ''n'' ao número de diagonais de um polígono de ''n'' vértices ou ''n'' lados.
Chamando de N o número de retas, temos:
Essa fórmula é similar à que se utiliza para a soma dos ''n'' primeiros números naturais não nulos:
Entre os recursos didáticos citados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) destacam-se os ''jogos''. Segundo os PCN, volume 3, não existe um caminho único e melhor para o ensino da Matemática, no entanto, conhecer diversas possibilidades de trabalho em sala de aula é fundamental para que o professor construa sua prática.
''Finalmente, um aspecto relevante nos jogos é o desafio genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e prazer. Por isso, é importante que os jogos façam parte da cultura escolar, cabendo ao professor analisar e avaliar a potencialidade educativa dos diferentes jogos e o aspecto curricular que se deseja desenvolver''.
(PCN, 1997,48-49)
Entendemos, portanto, que a aprendizagem deve acontecer de forma interessante e prazerosa e um recurso que possibilita isso são os jogos. Miguel de Guzmán, 1986, expressa muito bem o sentido que essa atividade tem na educação matemática: ''O interesse dos jogos na educação não é apenas divertir, mas sim extrair dessa atividade matérias suficientes para gerar um conhecimento, interessar e fazer com que os estudantes pensem com certa motivação''.
OFICINA DE JOGOS MATEMÁTICOS PARA AS EQUIPES PARCEIRAS
No dia 20 de Junho ocorreu na Obra Social uma oficina de Jogos Matemáticos para as Equipes Parceiras da Rede Ponte.Quem ministrou a oficina foi a professora de matemática Helena Maria em uma parceria com a ABHASD e CEDET/PMV.
Todos puderam aproveitar bastante as atividades propostas.Resolvemos problemas, deciframos quadrados mágicos e pensamos a matemática de forma muito interessante e dasafiadora. Todos que participaram da Oficina também ganharam xerox e instruções dos jogos propostos ( muitos deles com materiáis recláveis ) para multiplicar nas organizações parceiras.
Pra quem não pode comparecer, fica o texto de abertura utilizado na oficina:
É BRINCANDO QUE SE APRENDE
Rubem Alves
No meu tempo, parte da alegria de brincar estava na alegria de
construir o brinquedo. Fiz caminhõezinhos, carros de rolemã,
caleidoscópios, periscópios, aviões, canhões de bambu, corrupios,
arcos e flechas, cataventos, instrumentos musicais, um telégrafo,
telefones, um projetor de cinema com caixa de sapato e lente feita com
lâmpada cheia d’água, pernas de pau, balanços, gangorras, matracas de
caixas de fósforo, papagaios, artefatos detonadores de cabeças de paude fósforo, estilingues.
Fazendo estilingues desenvolvi as virtudes necessárias à pesquisa: só
se conseguia uma forquilha perfeita de jaboticabeira depois de longa
pesquisa. Pesquisava forquilhas - as mesmas que inspiraram Salvador
Dali - exercendo minhas funções de ´controle de qualidade´ - arte que
alguns anunciam como nova mas que existiu desde a criação do mundo:
Deus ia fazendo, testando e dizendo, alegre, que tinha ficado muito
bom. Eu ia comparando a infinidade de ganchos que se encontravam nas
jaboticabeiras com o gancho ideal, perfeito, simétrico, que existia em
minha cabeça. Pois ´controle de qualidade´ é isso: comparar o
´produto´ real com o modelo ideal. As crianças já nascem sabendo o
essencial. Na escola, esquecem.
Os grandes, morrendo de inveja mas sem coragem para brincar, brincavam
fazendo brinquedos. As mães faziam bonecas de pano, arte maravilhosa
hoje só cultivada por poucas artistas. As mães modernas são de outro
tipo, sempre muito ocupadas, correndo prá lá e prá cá, motoristas,
levando as crianças para aula de balê, aula de judô, aula de inglês,
aula de equitação, aula de computação - não lhes sobra tempo para
fazer brinquedos para os filhos. ( Será que as crianças de hoje sabem
que os brinquedos podem ser fabricados por eles?). Hoje, quando a
menina quer boneca, a mãe não faz a boneca: compra uma boneca pronta
que faz xixi, engatinha, chora, fala quando a gente aperta um botão, e
é logo esquecida no armário dos brinquedos. Pobres brinquedos prontos!
Vindo já prontos, eles nos roubam a alegria de fazê-los. Brinquedo que
se faz é arte, tem a cara da gente. Brinquedo pronto não tem a cara de
ninguém. São todos iguais. Só servem para o tráfico de inveja que move
pais e filhos, como esse tal ´bichinho virtual...´
Fiquei com vontade de fazer um sinuquinha. Naquele tempo não havia
para se comprar. Mesmo que houvesse não adiantava: a gente era pobre.
Como tudo o que vale a pena nesse mundo, a fabricação começava com um
ato intelectual: pensamento: quem deseja pensa. O pensamento nasce no
desejo. Era preciso, antes de construir o sinuquinha de verdade,
construir o sinuquinha de mentira, na cabeça. Essa é a função da
imaginação. Antes de Piaget eu já sabia os essenciais do
construtivismo: meu conhecimento começava com uma construção mental do
objeto. Diga-se, de passagem, que o homem vem praticando o
construtivismo desde o período da pedra lascada. Piaget não descobriu
nada: ele só descreveu aquilo que os homens (e mesmo alguns animais) sempre souberam.
Era preciso uma tábua larga e plana, flanela, madeiras e borracha de
pneu de bicicleta para as tabelas; as caçapas seriam feitas de meias
velhas. As bolas, de gude. Os tacos, cabos de vassoura. Preparei-me
para fabricar o objeto dos meus sonhos. Meu pai, que era viajante,
estava em casa naquele fim de semana. Ofereceu-se para me ajudar,
contra a minha vontade. Valendo-se de sua autoridade, tomou a
iniciativa. Pegou do serrote e pôs-se a serrar os cantos da tábua, no
lugar das caçapas. Meu pai operou com uma lógica simples: se um
buraquinho pequeno, que mal dá para passar uma bolinha, dá um ´x´ de
prazer a uma criança, um buraco dez vezes maior dará à criança dez
vezes mais prazer. E assim pôs-se a serrar buracos enormes nos ângulos
da tábua. Eu protestava, desesperado: ´ - Pai, não faz isso não!´
Inutilmente. Confiante no seu saber ele levou a sua lógica até as
últimas conseqüências. Fez o sinuquinha. Só que nunca joguei uma única
partida com os meus amigos. Por uma simples razão: quem começava o
jogo encaçapava todas as bolinhas. Com buracos daquele tamanho, não
tinha graça. Era fácil demais. A facilidade destruiu a alegria do
brinquedo. A alegria de um brinquedo está, precisamente, na sua
dificuldade, isto é, no desafio que ele apresenta.
Deliciei-me com uma estória do Pato Donald. O professor Pardal,
cientista, resolveu dar como presente de aniversário ao Huguinho,
Zezinho e Luizinho, brinquedos perfeitos. Fabricou uma pipa que voava
sempre, mesmo sem vento. Um pião que rodava sempre, mesmo que fosse
lançado do jeito errado. E um taco de beisebol que sempre acertava na
bola, mesmo que o jogador não estivesse olhando para ela. Mas a
alegria foi de curta duração. Que graça há em se empinar uma pipa, se
não existe a luta com o vento? Que graça há em fazer rodar um pião se
qualquer pessoa, mesmo uma que nunca tenha visto um pião, o faz rodar?
Que graça há em ter um taco que joga sozinho? Os brinquedos perfeitos
foram logo para o monte lixo e os meninos voltaram aos desafios e alegrias dos brinquedos antigos.
Todo brinquedo bom apresenta um desafio. A gente olha para ele e ele
nos convida para medir forças. Aconteceu comigo, faz pouco tempo: abri
uma gaveta e um pião que estava lá, largado, fazia tempo, me desafiou:
´ - Veja se você pode comigo!´ Foi o início de um longo processo de
medição de forças, no qual fui derrotado muitas vezes. É preciso que
haja a possibilidade de ser derrotado pelo brinquedo para que haja
desafio e alegria. A alegria vem quando a gente ganha. No brinquedo a
gente exercita o que Nietzsche denominou ´vontade de poder´.
Brinquedo é qualquer desafio que a gente aceita pelo simples prazer do
desafio - sem nenhuma utilidade. São muitos os desafios. Alguns são
desafios que têm a ver com a habilidade e a força física: salto com
vara, encaçapar a bola de sinuca; enfiar o pino do bilboquê no buraco
da bola de madeira. Outros têm a ver com nossa capacidade para
resolver problemas lógicos, como o xadrez, a dama, a quina. Já os
quebra-cabeças são desafios à nossa paciência e à nossa capacidade de reconhecer padrões.
É brincando que a gente se educa e aprende. Cada professor deve ser um
´magister ludi´¸ como no livro do Hermann Hesse. Alguns, ao ouvir
isso, me acusam de querer tornar a educação uma coisa fácil. Essas são
pessoas que nunca brincaram e não sabem o que é o brinquedo. Quem
brinca sabe que a alegria se encontra precisamente no desafio e na
dificuldade. Letras, palavras, números, formas, bichos, plantas,
objetos (ah! o fascínio dos objetos!), estrelas, rios, mares,
máquinas, ferramentas, comidas, músicas - todos são desafios que olham
para nós e nos dizem: ´Veja se você pode comigo!´ Professor bom não é
aquele que dá uma aula perfeita, explicando a matéria. Professor bom é
aquele que transforma a matéria em brinquedo e seduz o aluno a
brincar. Depois de seduzido o aluno, não há quem o segure.
BIBILIOGRAFIA:
BORIN,J.Jogos e resolução de problemas:uma estratégia para as aulas de matemática.São Paulo:IME-USP;1996.
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL.Parâmetros Curriculares Nacionais.Brasília:MEC/SEF,1997.
FERRERO,L.F.El juegoy la matemática.Madrid:La Muralla,1991.
GUZMÁN, M. de. Aventuras Matemáticas. Barcelona:Labor,1986.
MOURA, M. O. de. A construção do signo numérico em situação de ensino.São Paulo:USP,1991.
TAHAN, M. O homem que calculava. Rio de Janeiro:Record,1968.
Cláudia Lisete Oliveira Groenwald, orientadora, professora titular do Departamento de Matemática da Universidade Luterana do Brasil - Ulbra, Canoas/RS. Drª em Ciências da Educação pela Pontifícia de Salamanca - Espanha.
Ursula Timm, formanda em Matemática pela ULBRA, Canoas/RS.